domingo, 26 de junho de 2011

MATEMÁTICA ATRAENTE

A matemática atraente

Olimpíada revela um grupo raro de
estudantes: eles amam matemática


Camila Antunes e Marcos Todeschini

Lailson Santos

THALES MARQUES BARBOSA
IDADE: 16 anos
POSIÇÃO NA OLIMPÍADA DE MATEMÁTICA: 1º lugar entre os estudantes brasileiros de ensino médio
ONDE ESTUDA: Colégio Tiradentes, da Polícia Militar de Minas Gerais
O QUE É CAPAZ DE FAZER COM OS NÚMEROS: é craque em aritmética modular, disciplina que exige raciocínio avançado, ensinada na faculdade de matemática
MÉTODO DE ESTUDO: procura em livros alternativos exercícios sobre a matéria que aprendeu em sala de aula
COMO RELAXA: pratica natação e joga futsal


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A resolução dos problemas

O trio de estudantes que ilustra esta reportagem cultiva hábitos típicos de um jovem brasileiro: vão ao cinema com os amigos, adoram futebol e cultuam os videogames. O que os une, no entanto, é um gosto bem mais raro. Eles amam matemática.

• O carioca Tiago Dias, 12 anos, diz, com brilho nos olhos, que nada o emociona mais do que o momento em que entende o sentido de uma fórmula – o menino tem todas as que aprendeu arquivadas na memória.

• A cearense Rebeca Cunha, 15 anos, conta que passa horas a fio entretida com cálculos complexos, que faz de cabeça.

• O mineiro Thales Barbosa, 16 anos, encara a resolução de exercícios matemáticos como desafios. Ele diz: "Quando chego à resposta correta, eu vibro, mas também sinto pena: o mais divertido da matemática é o passo-a-passo dos problemas".

O talento de Tiago, Rebeca e Thales foi reconhecido entre 14 milhões de estudantes de escolas públicas que participaram da última Olimpíada Brasileira de Matemática, a maior competição do gênero já realizada no país. Eles são os campeões da prova, cada um em sua faixa etária. No geral, o resultado da olimpíada, que será divulgado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia no próximo dia 12, mostra que os estudantes brasileiros são incapazes de solucionar questões que exigem algum esforço e atenção. Apenas 5% deles passaram para a segunda fase da prova. O animado trio campeão é de longe, portanto, exceção no Brasil – e em boa parte do mundo, registre-se.

Em qualquer país, mesmo naqueles que têm o ensino da matemática como prioridade, jovens com talento especial para os números, como os três campeões brasileiros, não são a regra. Para ter um desempenho fora do comum em matemática, é preciso reunir um conjunto de habilidades que incluem uma extraordinária capacidade para contextualizar informações e rapidez de raciocínio, além de muito estudo. De acordo com o relatório oficial, apenas 0,3% dos estudantes testados na olimpíada surpreende pela performance na prova. O que mais chama atenção no resultado, no entanto, é a distância que separa os jovens vencedores do restante dos estudantes. Sim, trata-se de uma prova de razoável complexidade, equivalente às aplicadas em outros países. Mas os brasileiros demonstraram dificuldade em ultrapassar as questões mais triviais – básicas para lidar com os números no dia-a-dia.

O resultado da olimpíada reforça uma avaliação recente sobre o ensino da matemática no país, conduzida pelo Ministério da Educação (MEC). Ela mostra que os estudantes da 4ª série do ensino fundamental têm dificuldade em somar e subtrair. Conclusão: na comparação internacional, os brasileiros estão em último lugar na matéria, numa lista de 41 países. Resume o especialista Gilberto Garbi: "O Brasil é uma nação de analfabetos em matemática".

Uma das razões para o fracasso brasileiro na matéria é comum às outras disciplinas: os professores não estão preparados para lecionar, fato comprovado no último exame aplicado pelo MEC aos concluintes do curso superior de matemática – eles tiraram nota 27 na prova que vale 100. Estão, evidentemente, a anos-luz de uma aula atraente, que transmita aos estudantes as dimensões mais fascinantes da matéria – e não o horror à disciplina. Exemplos de países onde a matemática faz sucesso em sala de aula podem ser esclarecedores ao Brasil. A Finlândia, campeã no ranking internacional, tem um modelo que funciona: lá as aulas de matemática costumam se passar em laboratórios e entrelaçar-se com outras disciplinas. Um exemplo simples: jovens da 7ª série utilizam polinômios para decifrar a fórmula dos aromas de um sabonete – assunto apresentado lado a lado com a química. Relatos sobre esse tipo de experiência mostram que os alunos reclamam quando a aula termina. O caso finlandês enfatiza a idéia de que o que mais cativa os estudantes é a aproximação da matemática com as questões do cotidiano. No Brasil, a olimpíada jogou luz sobre um (raro) modelo de ensino que segue linha semelhante: o dos colégios militares, de onde saíram os três campeões brasileiros (veja quadro). Nessas escolas, quem diria, os alunos ficam ansiosos pela aula de matemática.

A matemática que chega às salas de aula, descrita no Brasil como enfadonha, costuma ser apresentada aos estudantes como uma ciência despregada da realidade e baseada na decoreba. Esse é um problema acentuado nas escolas brasileiras, mas também preocupa educadores de outros países, como os Estados Unidos. O matemático americano John Allen Paulos, autor do livro Innumeracy (em português, "analfamatismo"), dedicou-se a desconstruir os mitos que pairam sobre o ensino da matemática – e prejudicam a sua popularização entre os estudantes. Um deles é que essa é uma matéria exclusiva aos alunos brilhantes, incapaz de encantar a massa dos estudantes. O outro mito sobre o qual Paulos fala é o de que as fórmulas matemáticas limitam a liberdade de pensamento. "O desafio é apresentar a matéria como uma fantástica ferramenta para enxergar o mundo em que vivemos", diz o americano. Na história recente, a forma de ensinar a matéria vem se transformando – sem que, até então, os números tenham deixado de causar pavor à maioria dos estudantes, em especial aos brasileiros.

Pesquisas indicam que o domínio dos números será útil para desbravar novas áreas do conhecimento. O Ministério do Trabalho americano prevê que, até 2010, devam aparecer nos Estados Unidos quatro vezes mais empregos que exigirão dos candidatos nível avançado da matéria. Os matemáticos passaram a desempenhar múltiplas funções: trabalham lado a lado com biólogos para decifrar o código genético, em setores de marketing (nos quais abrem perspectivas para formas originais de compreender a cabeça dos consumidores) e na interpretação de fenômenos da vida moderna, produzindo novas dimensões que vão de encontro ao senso comum. "Apenas os países que conseguirem formar um competente exército de matemáticos para desempenhar essas tarefas sobreviverão à competição global", avalia o americano Michael Sipser, chefe do departamento de matemática do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos. Nesse ponto, o Brasil se situa bem atrás de países como a Coréia do Sul e a China, que há décadas investem nas escolas com o objetivo de massificar a matemática e caçar na multidão os melhores estudantes. A exemplo da experiência internacional, Thales, Rebeca, Tiago e outros 3 000 estudantes receberão uma bolsa mensal do governo e freqüentarão aulas avançadas da matéria ministradas pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Investir no talento desses jovens pode ser o primeiro passo para tirar do Brasil a vergonhosa lanterna que carrega no ensino da matemática.

Drawlio Joca

REBECA CUNHA
IDADE: 15 anos
POSIÇÃO NA OLIMPIADA DE MATEMÁTICA: 1º lugar entre os estudantes de 7ª e 8ª séries
ONDE ESTUDA: Colégio Militar de Fortaleza
O QUE É CAPAZ DE FAZER COM OS NÚMEROS: faz de cabeça contas complexas, como polinômios, que demandam várias operações matemáticas
MÉTODO DE ESTUDO: por conta própria, ela pesquisa a origem de todas as fórmulas que aplica na escola
COMO RELAXA: faz caminhadas no meio do mato

Ernani d'Almeida

TIAGO LEANDRO DIAS
IDADE: 12 anos
POSIÇÃO NA OLIMPÍADA DE MATEMÁTICA: 1º- lugar entre os estudantes de 5ª e 6ª séries
ONDE ESTUDA: Colégio Militar do Rio de Janeiro
O QUE É CAPAZ DE FAZER COM OS NÚMEROS: sabe de cor todas as fórmulas matemáticas que já aprendeu, sem nunca tê-las escrito no caderno
MÉTODO DE ESTUDO: lê as lições de matemática antes de o professor apresentar o assunto em sala de aula – ajuda a antecipar as dúvidas
COMO RELAXA: joga videogame

Números no dia-a-dia

Teste a sua capacidade de aplicar a matemática para resolver questões da vida prática

1. Uma fábrica de sorvetes lançou uma promoção na qual troca dez palitos de sorvete por outro picolé. Você fez a troca. Levando em consideração que cada picolé custa 2,20 reais, quanto de fato pagou por unidade?
a) 1,90 real
b) 2,20 reais
c) 2 reais

2. No supermercado, o mesmo produto tem duas embalagens: a de 330 gramas custa 4,10 reais e a de 500 gramas sai por 6,90 reais. O preço do produto é...
a) ...mais baixo na embalagem de 330 gramas
b) ...mais baixo na embalagem de 500 gramas
c) ...igual nas duas embalagens

3. O preço de 1 litro de gasolina é 2,50 reais e o do álcool, 1,60 real. Um carro flex faz 12 km/l quando é abastecido com gasolina e 8 km/l com álcool.
a) Compensa abastecer com álcool
b) Compensa abastecer com gasolina
c) Não faz diferença abastecer com álcool ou gasolina

4. Um bebê recém-nascido dorme em um dia o mesmo número de horas que sua mãe dorme durante uma semana. Quantas horas de sono o bebê e a mãe têm, respectivamente, por dia?
a) 21 e 3
b) 18 e 6
c) 16 e 8

5. Um geólogo aparece no noticiário avisando que a probabilidade de um novo terremoto ocorrer na Cidade do México, nos próximos vinte anos, é de 2 para 3. Qual das opções traduz melhor o significado da afirmação?
a) Daqui a treze anos haverá um terremoto na Cidade do México
b) A probabilidade de um terremoto na Cidade do México, nos próximos vinte anos, é maior que a chance de não haver nenhum abalo sísmico
c) Haverá um terremoto na Cidade do Méxiconos próximos vinte anos

6. Um empresário compra uma máquina que endereça 500 envelopes em oito minutos. Mas, para atender a sua alta demanda de mala-direta, ele precisa de 500 envelopes prontos a cada dois minutos. Para isso, deverá comprar uma nova máquina. Quantos envelopes ela deve endereçar sozinha?
a) 250
b) 375
c) 500

Você acertou questões

De 0 a 2 questões corretas
Seu baixo domínio da matéria o impede de resolver questões simples. Acabará tendo prejuízo em transações financeiras do dia-a-dia

De 3 a 4 questões corretas
Suas aulas de matemática na escola tiveram algum efeito. Você sabe utilizar conhecimentos básicos da matéria de modo a não ser passado para trás

De 5 a 6 questões corretas
Parabéns! O fato de ter acertado tantas questões é um sinal de que sabe aplicar fundamentos matemáticos importantes – você está preparado para enfrentar os números na vida prática

Fonte: teste elaborado pelas professoras de
matemática Ana Catarina Hellmeister e Renate Watanabe

A BELEZA DAS FÓRMULAS

Bernat Armangue/AP


O russo Andrei Okounkov, de 37 anos, ganhou no ano passado a medalha Fields – prêmio que tem o peso de um Nobel para a matemática. Okounkov é especialista em física matemática e geometria algébrica. Da universidade americana de Princeton, onde dá aulas, ele falou a
VEJA.

A QUE O SENHOR ATRIBUI O DESINTERESSE E ATÉ O PAVOR DE MUITOS ALUNOS PELA MATEMÁTICA?
O problema é que ela é apresentada desde cedo nas escolas como uma disciplina a anos-luz da realidade, quando está, justamente, na alma da vida moderna. As pessoas não param para pensar que há uma matemática por trás do MP3 ou do celular que usam todo dia. A tecnologia dos aparelhos é uma aplicação de regras da matemática pura operada por computadores. É tudo sincronizado e perfeito. Isso não é interessante? Claro que sim. Mas ainda se subestima a capacidade humana para compreender raciocínios matemáticos mais complexos – e por isso as pessoas ficam privadas das maravilhas dessa ciência.

O QUE DEVERIA SER MUDADO NO ENSINO DA MATEMÁTICA?
Primeiro, precisamos perder o medo das fórmulas. Até os livros de ciência evitam falar delas. Eu acho isso alarmante, pois o grande diferencial da matemática está justamente nas regras perfeitas que ela estabelece. Mas na pedagogia a preferência é trocar as fórmulas por analogias ambíguas e termos vagos.

O QUE O SENHOR MAIS APRECIA NA MATEMÁTICA?
Fascinam-me sua eficiência e precisão para descrever os fenômenos. Em outros campos do conhecimento, faz-se uso de milhões de palavras para chegar a conclusões que, tempos depois, caem por terra porque surgem novas teorias para contestá-las. Na matemática não. Os matemáticos buscam argumentos que em poucas páginas estabelecem uma verdade definitiva. A partir da solução para um problema, pode-se passar ao próximo. Para resolver a nova questão, às vezes é necessário usar as regras do problema anterior – mas nunca anulá-las.

QUAL É O PRINCIPAL DESAFIO DA MATEMÁTICA?
Ela ainda deve avançar para se prestar a um papel fundamental: prever desastres naturais. Acredito que logo chegará lá. Digo isso com base na história. Todos os avanços científicos e tecnológicos se devem à matemática. Não se pode dissociá-la do progresso humano. Sem a matemática não teríamos luz elétrica nem computador. Estaríamos ainda vivendo como nos tempos das cavernas.

UM MODELO CAMPEÃO

Oscar Cabral
Colégio Militar: disciplina e futebol

O ranking dos melhores estudantes na Olimpíada Brasileira de Matemática chamou atenção para um modelo de ensino que deu certo no país: o dos colégios militares, de onde saíram os três campeões do concurso, cada um de um estado. A fórmula aplicada nessas escolas está apoiada em três bases – disciplina nos estudos, aulas extras da matéria e uma linha pedagógica que fascina estudantes como Tiago Dias, um dos vencedores da olimpíada, que estuda no Colégio Militar do Rio de Janeiro. Os problemas lá são inspirados em assuntos sobre os quais ele e os outros estudantes gostam de conversar, como futebol. Em aula recente, a turma de Tiago utilizou fórmulas matemáticas para fazer projeções sobre a situação dos times no campeonato carioca: "Somos crianças normais. Gostamos de matemática porque ela é divertida".


FONTE: VEJA ONLINE

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