Olimpíada revela um grupo raro de
estudantes: eles amam matemática
Camila Antunes e Marcos Todeschini
THALES MARQUES BARBOSA |
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O trio de estudantes que ilustra esta reportagem cultiva hábitos típicos de um jovem brasileiro: vão ao cinema com os amigos, adoram futebol e cultuam os videogames. O que os une, no entanto, é um gosto bem mais raro. Eles amam matemática.
• O carioca Tiago Dias, 12 anos, diz, com brilho nos olhos, que nada o emociona mais do que o momento em que entende o sentido de uma fórmula – o menino tem todas as que aprendeu arquivadas na memória.
• A cearense Rebeca Cunha, 15 anos, conta que passa horas a fio entretida com cálculos complexos, que faz de cabeça.
• O mineiro Thales Barbosa, 16 anos, encara a resolução de exercícios matemáticos como desafios. Ele diz: "Quando chego à resposta correta, eu vibro, mas também sinto pena: o mais divertido da matemática é o passo-a-passo dos problemas".
O talento de Tiago, Rebeca e Thales foi reconhecido entre 14 milhões de estudantes de escolas públicas que participaram da última Olimpíada Brasileira de Matemática, a maior competição do gênero já realizada no país. Eles são os campeões da prova, cada um em sua faixa etária. No geral, o resultado da olimpíada, que será divulgado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia no próximo dia 12, mostra que os estudantes brasileiros são incapazes de solucionar questões que exigem algum esforço e atenção. Apenas 5% deles passaram para a segunda fase da prova. O animado trio campeão é de longe, portanto, exceção no Brasil – e em boa parte do mundo, registre-se.
Em qualquer país, mesmo naqueles que têm o ensino da matemática como prioridade, jovens com talento especial para os números, como os três campeões brasileiros, não são a regra. Para ter um desempenho fora do comum em matemática, é preciso reunir um conjunto de habilidades que incluem uma extraordinária capacidade para contextualizar informações e rapidez de raciocínio, além de muito estudo. De acordo com o relatório oficial, apenas 0,3% dos estudantes testados na olimpíada surpreende pela performance na prova. O que mais chama atenção no resultado, no entanto, é a distância que separa os jovens vencedores do restante dos estudantes. Sim, trata-se de uma prova de razoável complexidade, equivalente às aplicadas em outros países. Mas os brasileiros demonstraram dificuldade em ultrapassar as questões mais triviais – básicas para lidar com os números no dia-a-dia.
O resultado da olimpíada reforça uma avaliação recente sobre o ensino da matemática no país, conduzida pelo Ministério da Educação (MEC). Ela mostra que os estudantes da 4ª série do ensino fundamental têm dificuldade em somar e subtrair. Conclusão: na comparação internacional, os brasileiros estão em último lugar na matéria, numa lista de 41 países. Resume o especialista Gilberto Garbi: "O Brasil é uma nação de analfabetos em matemática".
Uma das razões para o fracasso brasileiro na matéria é comum às outras disciplinas: os professores não estão preparados para lecionar, fato comprovado no último exame aplicado pelo MEC aos concluintes do curso superior de matemática – eles tiraram nota 27 na prova que vale 100. Estão, evidentemente, a anos-luz de uma aula atraente, que transmita aos estudantes as dimensões mais fascinantes da matéria – e não o horror à disciplina. Exemplos de países onde a matemática faz sucesso em sala de aula podem ser esclarecedores ao Brasil. A Finlândia, campeã no ranking internacional, tem um modelo que funciona: lá as aulas de matemática costumam se passar em laboratórios e entrelaçar-se com outras disciplinas. Um exemplo simples: jovens da 7ª série utilizam polinômios para decifrar a fórmula dos aromas de um sabonete – assunto apresentado lado a lado com a química. Relatos sobre esse tipo de experiência mostram que os alunos reclamam quando a aula termina. O caso finlandês enfatiza a idéia de que o que mais cativa os estudantes é a aproximação da matemática com as questões do cotidiano. No Brasil, a olimpíada jogou luz sobre um (raro) modelo de ensino que segue linha semelhante: o dos colégios militares, de onde saíram os três campeões brasileiros (veja quadro). Nessas escolas, quem diria, os alunos ficam ansiosos pela aula de matemática.
A matemática que chega às salas de aula, descrita no Brasil como enfadonha, costuma ser apresentada aos estudantes como uma ciência despregada da realidade e baseada na decoreba. Esse é um problema acentuado nas escolas brasileiras, mas também preocupa educadores de outros países, como os Estados Unidos. O matemático americano John Allen Paulos, autor do livro Innumeracy (em português, "analfamatismo"), dedicou-se a desconstruir os mitos que pairam sobre o ensino da matemática – e prejudicam a sua popularização entre os estudantes. Um deles é que essa é uma matéria exclusiva aos alunos brilhantes, incapaz de encantar a massa dos estudantes. O outro mito sobre o qual Paulos fala é o de que as fórmulas matemáticas limitam a liberdade de pensamento. "O desafio é apresentar a matéria como uma fantástica ferramenta para enxergar o mundo em que vivemos", diz o americano. Na história recente, a forma de ensinar a matéria vem se transformando – sem que, até então, os números tenham deixado de causar pavor à maioria dos estudantes, em especial aos brasileiros.
Pesquisas indicam que o domínio dos números será útil para desbravar novas áreas do conhecimento. O Ministério do Trabalho americano prevê que, até 2010, devam aparecer nos Estados Unidos quatro vezes mais empregos que exigirão dos candidatos nível avançado da matéria. Os matemáticos passaram a desempenhar múltiplas funções: trabalham lado a lado com biólogos para decifrar o código genético, em setores de marketing (nos quais abrem perspectivas para formas originais de compreender a cabeça dos consumidores) e na interpretação de fenômenos da vida moderna, produzindo novas dimensões que vão de encontro ao senso comum. "Apenas os países que conseguirem formar um competente exército de matemáticos para desempenhar essas tarefas sobreviverão à competição global", avalia o americano Michael Sipser, chefe do departamento de matemática do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos. Nesse ponto, o Brasil se situa bem atrás de países como a Coréia do Sul e a China, que há décadas investem nas escolas com o objetivo de massificar a matemática e caçar na multidão os melhores estudantes. A exemplo da experiência internacional, Thales, Rebeca, Tiago e outros 3 000 estudantes receberão uma bolsa mensal do governo e freqüentarão aulas avançadas da matéria ministradas pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Investir no talento desses jovens pode ser o primeiro passo para tirar do Brasil a vergonhosa lanterna que carrega no ensino da matemática.
REBECA CUNHA |
TIAGO LEANDRO DIAS |
A BELEZA DAS FÓRMULAS
A QUE O SENHOR ATRIBUI O DESINTERESSE E ATÉ O PAVOR DE MUITOS ALUNOS PELA MATEMÁTICA? O QUE DEVERIA SER MUDADO NO ENSINO DA MATEMÁTICA? O QUE O SENHOR MAIS APRECIA NA MATEMÁTICA? QUAL É O PRINCIPAL DESAFIO DA MATEMÁTICA? |
O ranking dos melhores estudantes na Olimpíada Brasileira de Matemática chamou atenção para um modelo de ensino que deu certo no país: o dos colégios militares, de onde saíram os três campeões do concurso, cada um de um estado. A fórmula aplicada nessas escolas está apoiada em três bases – disciplina nos estudos, aulas extras da matéria e uma linha pedagógica que fascina estudantes como Tiago Dias, um dos vencedores da olimpíada, que estuda no Colégio Militar do Rio de Janeiro. Os problemas lá são inspirados em assuntos sobre os quais ele e os outros estudantes gostam de conversar, como futebol. Em aula recente, a turma de Tiago utilizou fórmulas matemáticas para fazer projeções sobre a situação dos times no campeonato carioca: "Somos crianças normais. Gostamos de matemática porque ela é divertida". FONTE: VEJA ONLINE |
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